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A luta LGBT no Brasil

É uma grande oportunidade poder me dirigir a vocês na língua que partilhamos. “A língua é minha pátria e eu não tenho pátria, tenho mátria. E quero frátria”, já disse um poeta brasileiro, Caetano Veloso, reverenciado recentemente por Madonna. É fundamental me expressar na nossa língua para uma comunidade de irmãos e irmãs LGBTs que possam nos ajudar doravante.

Existe algo em comum entre todas e todos nós LGBTs em todo o mundo - e eu suspeito que esse algo seja a experiência individual e/ou coletiva com a homo-leslo-transfobia e o heterossexismo desde a mais tenra infância -, e também existem muitos elementos que tornam essa experiência singular, tanto individual quanto coletivamente.

Esses elementos são as condições socioeconômicas em que vivemos em nossos países e as posições que estes ocupam nas relações internacionais, posições de países periféricos ou semi-periféricos em relação à América do Norte e à Europa Ocidental; a classe social e a etnia a que pertencemos (incluindo aí a cor de nossas peles); a religião que professamos e a identidade de gênero que encarnamos.

Vindo da extrema pobreza, filho de um homem de pele preta e de uma mãe branca que criou seus seis filhos trabalhando como empregada doméstica, eu não posso deixar de reconhecer que a homo-lesbo-transfobia é mais perversa quando articulada ao racismo e ao ódio de classe.

Também não posso deixar de dizer que o fato de a democracia em nossos países não ser perene - tendo os nossos países atravessado longos períodos de ditaduras civis-militares e tiranias, e sendo muitas dessas ditaduras apoiadas pelos governos dos EUA em função de seus interesses geopolíticos e econômicos -, o fato de a democracia não ser uma constante na América Latina dificultou e dificulta o empoderamento e a conquista de direitos por parte da comunidade LGBT, ainda que, infelizmente, haja LGBTs que apoiaram e apoiam essas ditaduras por ignorância e preconceitos.

No Brasil, a democracia sofreu um novo golpe em 2016 e os resultados dessa ação política foram a emergência de grupos fascistas contrários à existência digna de minorias sexuais, étnicas e religiosas e de artistas, e o sucesso de um deputado homofóbico e racista que está em segundo lugar nas intenções de votos para a próxima eleição presidencial. Exposições de artes relacionadas às temáticas de gênero e sexualidade têm sido censuradas; curadores e artistas são intimidados, através de conduções coercitivas, a deporem em comissão parlamentar de inquérito destinada a investigar os maus tratos contra crianças e adolescentes; juízes têm retrocedido no tempo ao autorizarem terapias anticientíficas que levam muitos adolescentes gays, lésbicas e bissexuais ao suicídio; o lobby das igrejas fundamentalistas e da direita católica junto aos vereadores excluiu a educação para a diversidade dos planos educacionais de dezenas de municípios brasileiros e tentam, a todo custo, aprovar lei semelhante em âmbito nacional.

Também não posso deixar de ressaltar que, hoje, no Brasil, as principais inimigas da cidadania LGBT são as igrejas evangélicas fundamentalistas, cujos discursos e modelo de funcionamento foram importados dos EUA. Costuma-se temer o fundamentalismo religioso islâmico, mas ignora-se que o fundamentalismo religioso cristão é a fonte do sofrimento de LGBTs em Portugal, no Brasil e na América Latina, bem como no Caribe e nos países da África subsaariana.

Estou deputado federal em meu segundo mandato. Em minha segunda eleição, recebi quase 145 mil votos, numa campanha que custou cerca de 23 mil dólares, vindos de pequenas doações de pessoas físicas de todo o país, inclusive de pessoas que não poderiam votar em mim. Gays e lésbicas ricos ou donos de grandes empresas não colocaram dinheiro em minha campanha, apesar de eu defender, no Congresso Nacional, seus direitos e dignidade como gays e lésbicas; estes não colocaram dinheiro em minha campanha porque, ao mesmo tempo em que defendo a agenda LGBTQ, eu me coloco contra a concentração de renda e as crescentes desigualdades sociais que tornam um inferno a vida de LGBTs pobres, principalmente dos que têm a pele preta.

Há muito racismo e ódio de classe na elite econômica e classe média brasileiras, mesmo entre os gays e lésbicas que fazem parte dessa elite e dessa classe.

Sou um deputado honesto, material e intelectualmente. Estou engajado na luta contra corrupção do sistema político por parte de empresários e interesses privados escusos. Tenho um mandato relativamente reconhecido e prestigiado internacionalmente. E tenho orgulho de ser gay.

Talvez por isso mesmo, eu seja o político mais difamado e ameaçado de morte da história recente do Brasil.

Todos os dias circulam pelas redes sociais calúnias, ameaças de morte e fake news contra mim, sem que as instituições responsáveis pelo combate ao crime e a própria Câmara dos Deputados tomem providências, numa prova incontestável de que existe, no Brasil, uma homofobia institucional.

É na Câmara dos Deputados onde sou alvo da homofobia mais vulgar, mas não menos danosa: a que se expressa por meio do insulto e da discriminação negativa.

Alguns dos meus colegas - principalmente os deputados ligados às igrejas evangélicas fundamentalistas, à direita católica e financiados pela indústria das armas - insultam-me e me ameaçam publicamente em sessões de comissões e no plenário da Câmara.

E esses mesmos deputados me levaram ao Conselho de Ética por ter reagido, com uma cuspida, a um insulto homofóbico de um deputado que faz apologia à tortura e ao estupro de mulheres.

Nesse breve testemunho que acabo de proferir, estão materializadas as principais dificuldades enfrentadas pela comunidade LGBT brasileira e talvez pela de toda América Latina, Caribe, África subsaariana e também Portugal.

Apesar dos avanços culturais expressos na popularidade das paradas do orgulho LGBT (a Parada de São Paulo é, por exemplo, a maior do mundo, embora, na prática, ela não reúna apenas LGBTs) e em representações mais dignas e verossímeis na publicidade e na teledramaturgia - avanços que são resultados da luta histórica dos movimentos LGBT -, apesar desses avanços, o Brasil ainda está entre os países campeões de assassinatos de pessoas LGBTs, principalmente de travestis e transexuais pobres e prostitutas - a cada 19 horas uma pessoa lésbica, gay, bissexual, travesti ou transexual é vítima de um crime de ódio motivado por sua orientação sexual ou identidade de gênero (445 vidas ceifadas apenas no ano de 2017). E o sistema político brasileiro se organiza de modo a impedir e excluir a representação dessa comunidade.

Eu sou a exceção que confirma a regra.

Obrigado!

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